sábado, 21 de maio de 2011

A FOLHA DE COUVE

             Se me perguntarem que alimentação têm agora os soldados do Exército Português, não poderei responder. E porquê? Porque não sei.
             Mas...sei que não será preciso ser muito boa para ser melhor, bastante melhor do que aquela  que os soldados de há quatro ou cinco décadas atrás tinham pela frente.
             A alimentação era má? Claro que era... Mas, se tivermos em conta que, nesse tempo, a alimentação normal daqueles que não pertenciam às classes previligiadas, era de péssima qualidade... De qualquer maneira, vamos aceitar que a alimentação desses tempos mais atrasados era mesmo muito má...
             Os soldados cujas famílias tinham um nível de vida melhorado, ou mesmo muito melhorado em relação à maioria, iam recebendo reforços em dinheiro que lhes ia minorando carências.
             Mas, eu que era um pobre soldado (mais concretamente, um soldado pobre), tinha que me ir resignando com o "rancho" que me aparecia na mesa: ao almoço, feijão com massa, ao jantar, massa com feijão.
             Porque a certeza de que a alimentação dos candidatos a heróis tinha pouca qualidade, era um dado adquirido, a minha mãe preocupada comigo, mandava-me todas as semanas pelo correio uma folha de couve.
             Uma folha de couve não resolveria satisfatoriamente o meu problema alimentar, mas sempre ajudava.
             A folha de couve era-me entregue geralmente à terça-feira, e nesse dia a moral subia um pouco, porque a folha de couve garantia o reforço de duas refeições por semana.
             Dizia-me um soldado do meu esquadrão que tinha uma vida económica melhorada: "É pá, com uma folha de couve ainda rebentas a comer..."
             Que não dava para rebentar a comer sabia eu, mas... a coisa sempre ficava um pouco mais equilibrada...
              De vez em quando, junto à folha de couve lá aparecia um pão alentejano, um chouriço, um queijinho. Mas, certa, mesmo certa todas as semanas, era a folha de couve.
              Não seria nada de especial para amenizar carências alimentares, mas, lá que fazia jeito, fazia...
              Confesso que a folha de couve nem sempre chegava nas melhores condições: se algumas vezes me chegava às mãos razoávelmente conservada, outras vezes aparecia-me muito partida. Mas, enfim...tinha que viver com aquilo que tinha...
              A folha de couve poderia não ser grande coisa, mas se fizermos bem as contas o resultado é este: estive três anos na tropa, um ano tem cinquenta e duas semanas, três anos somam cento e cinquenta e seis semanas. Cento e cinquenta e seis é o número de folhas de couve que a minha mãe me mandou em três anos. É obra!
               Se calhar estão a pensar que a minha mãe andava a comprar couves no mercado para me mandar...Ou que tinha um quintal onde criaria o dito legume...Alguns estarão mesmo a pensar que era uma grande parvoice gastar dinheiro em portes de correio por uma mercadoria que valia muito menos  que o dinheiro gasto nos portes. Nada disso: folha de couve era o que na gíria se chamava à mais pequena nota do sistema monetério português. E folha de couve porquê? Porque a nota era totalmente verde.E se as couves são verdes...
               Embora a folha de couve me levantasse a moral em cada terça-feira, houve uma semana em que a minha mãe deveria ter-se esquecido de meter a carta no correio.
               E porquê? Porque numa terça-feira de má memória para mim, aconteceu algo de insólito. Como sempre o fazia quando recebia a já desmascarada folha de couve, fui jantar a um restaurante de Santarém, um restaurante que penso ainda existir: "Caravana". À saida, bem disposto e com o bacalhauzinho à lagareiro já no papo, vi uma mulher ainda jovem e com muito bom aspeto aproximar-se de mim.  Na expectativa parei, e aconteceu só isto: levei   um forte chapadão. Com esta justificação: "Toma lá, para não teres o descaramento de seres parecido com uma pessoa que odeio!"
              E sem mais...a mulher foi à vida. E eu, apanhado de surpresa, fiquei mudo de espanto...